segunda-feira, 22 de junho de 2015

O exercício pode gerar um efeito de proteção ao coração?

Introdução

São inúmeras as recomendações para que as pessoas participem de programas regulares de exercícios para que a qualidade de vida seja aumentada e o risco de mortalidade seja diminuído. Uma relação inversa entre o nível de aptidão física cardiovascular e o aumento da expectativa de vida já foi demonstrada tanto para atletas profissionais [1] como para a população em geral [2].


A Organização Mundial da Saúde recentemente divulgou [3] que a doença arterial coronariana continua a ser a principal causa de morte ao redor do mundo, sendo responsável por cerca 7,5 milhões de morte o que representa 12,8% das mortes no mundo. A principal patologia associada com doença arterial coronariana é a lesão gerada pela perfusão sanguínea após um evento isquêmico (interrupção do suprimento de sangue para um determinado tecido corporal), chamada de lesão por reperfusão isquêmica (IR). Os danos gerados as células de um tecido que passou por um período de isquemia vão depender do tempo em que o fluxo de sangue foi interrompido e muitas das lesões ocorrem no momento em que o fluxo de sangue é restabelecido [4].

Retirado da referência 14

As informações atuais indicam que a forma mais eficaz de alcançarmos efeitos cardioprotetores com um programa de exercícios é quando estes programas combinam exercícios de resistência cardiovascular e também exercícios resistidos para o desenvolvimento de força muscular [5]. O treinamento da aptidão cardiovascular pode envolver treinamentos contínuos como intervalados.

O que seria essa “cardioproteção”?

Em teoria, a “cardioproteção” induzida pelo exercício pode ser conseguida através qualquer adaptação fisiológica que atenue um ou mais dos eventos prejudiciais que ocorrem no coração durante o episódio de IR. Por exemplo, através de modificações nas artérias coronárias (vasos sanguíneos que suprem o coração) que levem ao aumento da circulação colateral e/ou alterações intrínsecas fibras musculares do coração que assim resistiriam às lesões celulares que ocorrem durante um evento de IR [5].

Quais os detalhes importantes de um programa de exercícios para que um efeito “cardioprotetor” seja gerado?

Intensidade (Nível de Esforço)

Os estudos realizados em animais demonstraram que tanto intensidades de 50% da capacidade aeróbica máxima (VO2max) como também intensidades de 70% do VO2max podem gerar alterações benéficas [6]. 

Forma de Treinamento Cardiorrespiratório

O treinamento cardiorrespiratório pode ser realizado de forma contínua ou intermitente (intervalada), trabalhos com animais demonstraram que tanto sessões de contínuas de 30-90 minutos como sessões intervaladas são capazes de gerar alterações relacionadas à “cardioproteção” [7].

Importância da Regularidade

Embora a cardioproteção induzida pelo exercício possam ser alcançados rapidamente estudos com animais revelam que a cardioproteção induzida pelo exercício é perdida em um curto período de tempo (dentro de 9 a 18 dias) após a interrupção do exercício físico [8], assim como acontece com variáveis como força, capacidade funcional [9] e também composição corporal [10].

Treinamento de Força e Cardioproteção

As modalidades de exercício que levam ao aprimoramento da força e resistência muscular estão relacionadas com alterações positivas para a saúde. Entre elas podemos citar melhoras na densidade mineral óssea [11] e diminuição da gordura visceral [12]. Quando falamos da possibilidade de que o treinamento de força também gere um efeito cardioprotetor um estudo realizado com animais mostrou doze semanas de treinamento de força com aproximadamente 70% da carga máxima faz com que os danos de uma lesão IR sejam menores em ratos treinados do que em ratos sedentários [13].

Natureza Invasiva do Estudo da Cardioproteção

Quase todo conhecimento que temos sobre a cardioproteção foi obtido através do estudo com animais [6-8, 13, 14]. Isso acontece devido à característica invasiva dos trabalhos com esse objetivo, que geram a necessidade de indução de isquemia cardíaca [13], o que não seria possível com humanos devido às questões éticas envolvidas. Os estudos com animais podem ser considerados válidos, pois a estrutura do coração entre as espécies de mamíferos são bastante semelhantes [5]. Os estudos observacionais com humanos demonstram que o exercício pode gerar efeitos de proteção ao coração através de alterações celulares capazes de diminuir os danos gerados por uma lesão IR [15] semelhantes as que acontecem com animais [14].


Considerações Finais

Os profissionais da saúde envolvidos com os cuidados primários podem desempenhar um papel importante encorajando as pessoas, principalmente as com elevado risco cardiovascular, a se exercitarem de forma adequada para que as alterações relacionadas com “cardioproteção” sejam atingidas. Podemos dizer que a participação em programas de exercício regular juntamente com a redução do risco de doenças cardiovasculares é a melhor forma de diminuir a morbidade e mortalidade geradas pelas lesões IR.

Referências
  1. Sanchis-Gomar F, et. al. 2001. Increased average longevity among the "Tour de France" cyclists.
  2. Kokkinos P, et. al. 2008. Exercise capacity and mortality in black and white men.
  3. News Med Br. 2015. OMS divulga as dez principais causas de morte no mundo.
  4. Sival Jr OC, et. al. 2002. Aspectos Básicos da Lesão de Isquemia e Reperfusão e do Pré-Ccondicionamento Isquêmico.
  5. Wiggs MP, et. al. 2015. Exercise Can Protect against a Broken Heart
  6. Lennon SL, et al. 2004. Exercise and myocardial tolerance to ischaemia-reperfusion.
  7. Libonati JR, et al2005. Sprint training improves postischemic, left ventricular diastolic performance.
  8. Lennon SL, et al. 1985. Loss of exercise-induced cardioprotection after cessation of exercise.
  9. Correa CS, et . al. 2015. Effects of strength training, detraining and retraining in muscle strength, hypertrophy and functional tasks in older female adults.
  10. Hong SM, et. al. 2014. Effects of detraining on motor unit potential area, muscle function and physical performance based on CNTF gene polymorphism.
  11. Elsisi HF, et. al. 2015. Electro magnetic field versus circuit weight training on bone mineral density in elderly women.
  12. Mekary RA, et. al. 2015. Weight training, aerobic physical activities, and long-term waist circumference change in men.
  13. Soufi FG, et. al. 2011. Role of 12-week resistance training in preserving the heart against ischemia-reperfusion-induced injury.
  14. Powers SK, et al. 2014. Mechanisms of exercise-induced cardioprotection.
  15. Ignarro LJ, et al. 2007. Nutrition, physical activity, and cardiovascular disease: An update

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Nutrição e Saúde no Período Pré-Histórico

Recentemente recebi de um dos integrantes de uma lista de discussão sobre alimentação o texto que apresento traduzido a a seguir.

O texto original pode ser acessado clicando aqui.

O conteúdo é muito interessante, pois trada de uma comparação da saúde e da nutrição de duas comunidades. Uma de caçadores- coletores que viveu a 5 mil anos atrás e outra de agricultores que viveram a 400 anos anos atrás.

Na minha opinião as informações mais importantes envolvem as crianças. Mostrando dados que podem contribuir muito para uma alimentação saudável de verdade para nossas crianças.

Boa leitura!

Carlinhos
treinamentocarlinhos@gmail.com

COMPARANDO NUTRIÇÃO NO PRÉ-HISTÓRICO

Caçadores-coletores e Agricultores

As informações aqui contidas vem de um estudo realizado por Claire Cassidy* comparando evidência de saúde nutricional com base nos restos mortais de duas populações sedentárias ou semi-sedentárias. 

Os agricultores [AG] viveram a cerca de 400 anos atrás onde é hoje o leste de Kentucky. Os caçadores-coletores [CC] viveram na parte ocidental de Kentucky a cerca de 5.000 anos atrás. Variáveis ​​ambientais, como animais, plantas, água e clima foram muito semelhantes para ambas às populações.

A questão básica a ser respondida por essa pesquisa

A saúde e a nutrição dos AG eram melhores do que a saúde e a nutrição CC na pré-história? Uma razão pela qual esta questão é importante é que os antropólogos têm assumido que as pessoas que produziam seus próprios alimentos têm fontes estáveis ​​e até mesmo um excedente de nutrientes, ao passo que os CC tinham recursos imprevisíveis. No entanto, há alguns indícios de que a seca, infestação de insetos, e a fome eram todos problemas muito frequentes de agricultores. Etnografias de alguns grupos de forrageamento [busca de alimentos em baixo de folhas e gravetos, revirando a terra em busca de fontes de proteína], como os San do Kalahari e os Hadza da Tanzânia mostraram amplos suprimentos de comida e uma variedade saudável de alimentos sazonais.

Os padrões alimentares

Os CC tinham uma dieta rica em proteínas e reduzida em carboidratos. Eles comiam grandes quantidades de mexilhões e caracóis. Eles também comiam veados, pequenos mamíferos [esquilos, porco-espinho, guaxinim e outros], peru selvagem e outros pássaros, tartarugas e peixes. Às vezes, eles comiam cães durante cerimoniais e também consumias plantas selvagens, uvas selvagens, amoras, girassóis e nozes.

Os AG tinham uma dieta rica em carboidratos e reduzida em proteínas. Eles cultivavam milho, feijão e abóbora e também consumiam uma vasta gama de plantas silvestres. Os animais selvagens, como veados, alces, perus, tartaruga e peixes faziam parte da dieta, mas constituíam uma proporção muito menor da dieta. O milho era utilizada com um alimento de desmame para crianças pequenas.

As fontes primárias de dados
  • Análises de animais e restos de plantas para avaliar os tipos de alimentos ingeridos.
  • Análises esqueléticas que dão estimativas da idade à morte e vida expectativas.
  • Análise dos ossos longos para a evidência de paragem do crescimento devido à desnutrição ou infecção.
  • Análise de dentes para a evidência de parada do crescimento, desnutrição, cárie, e abcessos.
  • Análise de crânios para a evidência de anemia por deficiência de ferro.


Evidência de desnutrição e interrupção do crescimento 
  • Linhas de Harris [cicatrizes] no osso da tíbia. Estas linhas representam a deposição de material da calcificação que aparecem na infância quando ocorre desnutrição [Nota do tradutor: São linhas paralelas visíveis em radiografias dos ossos compridos e que correspondem a interrupção, definitiva ou temporária, do crescimento ósseo longitudinal].
  • Hipoplasia do esmalte dos dentes. Aparecem linhas horizontais ou sulcos nos dentes e é causada por desnutrição na infância.
  • Inflamação do periósteo, as alterações nos ossos longos com espessamento ou o desenvolvimento de faixas de material liso ou áspero, de manchas porosas nas superfícies ósseas. Em radiografias dos ossos mostram uma estratificação, o efeito "casca de cebola" em crianças pequenas. Esta síndrome é evidência de infecção; a doença pode ter sido treponematosis [semelhante a sífilis].
  • A cárie dentária e abcessos dentários [infecção da cavidade pulpar].
  • Hiperostose porótica do crânio. Estas lesões são causadas por anemia por deficiência de ferro.

Achados do estudo


Caçadores-coletores [285 esqueletos]
Agricultores [295 esqueletos]
Mortalidade infantil
Baixa até 12 meses
Alta até 12 meses
Mortalidade das crianças
44% morriam antes dos 17 anos
54% morriam antes dos 17 anos e uma elevada mortalidade entre 1- e 4 anos
Média da expectativa de vida
Aos 18 anos a expectativa de vida era de 36 anos
Aos 18 anos a expectativa de vida era de 30 anos
Evidências da interrupção de crescimentos
Presentes em maior número representando evidências de períodos regulares e breve de fome sazonal
Presentes em números mais baixos representando evidências de períodos de fome irregulares e com maior duração
Evidências de deficiência de ferro [anemia]
Ausentes
Presenta em 50% das crianças até os 5 anos
Evidências de inflações e infecções ósseas
Presentes em baixo número
Presentes em números elevados
Perda de dentes e abcessos
Taxa baixa. Média de 1 cárie e alguma perda de dentes na velhice devido ao desgaste
Taxa alta. Média de 7 cárie e perda de dentes entre as crianças

Conclusões do estudo

Em geral, a saúde dos CC era melhor do que os agricultores. Os CC tinham uma nutrição superior, especialmente na infância. A mortalidade infantil foi especialmente elevada nas aldeias agrícolas durante o tempo de desmame [idade entre 2-4] provavelmente devido a maiores taxas de doenças, tanto nutricionais e infecciosas.

Nascimento e primeira infância eram mais perigosas entre os CC do que entre os AG. Cerca de 15 por cento das crianças morriam antes dos 12 meses de idade entre os CC. Cerca de 8 por cento das crianças das comunidades agrícolas morriam no primeiro ano. No entanto, no grupo de 1-3 anos de idade, 20 por cento crianças AG morriam e apenas cerca de 12 por cento de mortes ocorriam entre os CC.

A expectativa de vida em ambos os grupos era maior entre as mulheres do que entre os homens. A expectativa de vida média de uma criança recém-nascida entre os CC era consideravelmente maior [média de 23 anos] do que para uma criança do sexo masculino de um grupo agrícola [média de 16 anos]. Estas expectativas de vida são calculadas sobre o agrupamento em material esquelético em intervalos etários. O envelhecimento em crianças baseia-se na sequência de erupção dos dentes e maturação óssea, enquanto que em adultos se baseia no desgaste da sínfise púbica e dos dentes.

As crianças de ambos os grupos experimentaram interrupção no crescimento no meio da infância, como indicado pelas linhas de Harris [cicatrizes ósseas]. Uma média de 11,3 cicatrizes ósseas foi encontrada nas tíbias de caçadores-coletores e uma média de 4,1 nos grupos de agricultores. Nos caçadores, a distribuição de cicatrizes ósseas é muito regular, indicando que os períodos de fome foram normais e sazonais, talvez a cada inverno. Nos agricultores, as linhas eram mais aleatórias, indicando que a fome era irregular, mas, provavelmente, mais grave. Esta hipótese é apoiada pelo fato de que a hipoplasia do esmalte dos dentes, presentes em ambos os grupos, foi muito mais sereva entre os AG.

A má saúde dental dos agricultores era devida, muito provavelmente, ao alto teor de açúcar e consistência macia dos alimentos cultivados. Os homens adultos tinham uma média de 6,74 cáries e as mulheres adultas tinham uma média de 8,5 cáries. Os CC adultos tinham uma média de 0,73 cáries para os homens e 0,91 cáries para mulheres. O alto índice de cáries dentária em agricultores contribuiu para uma grande perda de dentes e provavelmente elevadas taxas de infecção. Em crianças tais problemas dentários poderiam ter interferido seriamente com a nutrição e o crescimento.


*"Nutrition and Health in Agriculturalists and Hunter-Gatherers: A Case Study of Two Prehistoric Populations," in Nutritional Anthropology, Norge Jerome, Randy Kandel, and Gretel Pelto, eds., Redgrave Publishing Co, 1980, pp. 117-145.